Ave, desenganados e desenganadas, compartiotas. Salve Brasil ! Salvem o nosso querido Brasil !
Já fui há alguns anos, mas, contorcendo-me sub lapide, decidi voltar.
Ultrajado, vilipendiado e açoitado em vida, e indignado post mortem, hoje voltei ao clube dos mortos que ainda vivem.
Meus restos mortais, agora parcialmente vivificados, trazem com eles mensagens do Além.
Aqui no Além, onde estive até ontem, não há Fake News, estas, às vezes, chegam do mundo dos mortos ainda em vida, aqui só há uma verdade : chegamos à derradeira componente biológica.
Aqui também não há Rede Globo, embora já haja Roberto Marinho.
Por aqui também não há imprensa cativa, ou obscurantista.
Aqui não há engravatados, nem sacerdotes nem magistrados, nem fardados nem togados, aqui somos todos iguais ; Nem sombra de trabalho, nem sombra de ócio ; não há lavor, não há ofícios, nehuma labuta, nenhum mister, nem passatempo ou diversão.
Não há vencimentos, nem soldos nem remunerações, e nem prêmios, e nem bônus, e nem indenizações, muito menos regalias.
Aqui não se respira, mas a faculdade comum, ‒ o silêncio ‒ inspira à reflexão, e a única dádiva comum é a inconsciência. Estamos em paz, porquanto já não somos sujeitos a considerar a morte nem tão pouco temê-la. Fabuloso !
Mas lembramos da vida, e sobretudo da sobrevivência em terras hostis, e neste solo brasileiro, que absorve mares de lágrimas e traga oceanos de sangue inocente.
Ainda ontem, ainda morto, conversando telepaticamente com Glauber Rocha, com Jacques Lambert e com Darcy Ribeiro, falávamos sobre “Deus e o diabo na terra do sol », e Glauber também tá querendo voltar.
Jacques Lambert, entusiasmado, exprimiu, igualmente, seu desejo de voltar, não de votar, porquanto a probabilidade de um novo golpe parlamentar no seio dos « Dois Brasis », Les deux Brésil, o apavora.
E Darcy Ribeiro, que também deseja voltar, teme os brasileiros, mas promete escrever : « Os brasileiros-teoria do Brasil », claro, volume 2.
As notícias que aqui, sub terra, nos chegam representam 1% de tudo que é editado nas redes sociais do mundo dos mortos ainda em vida, assim como tudo o que a mídia brasileira divulga, o resto é « Fake news ». No Brasil, os mortos ainda em vida são extremamente crédulos.
Raul Seixas, aproximando-se, enquanto ainda conversávamos telepaticamente, gargalhava de tristeza e acrescentou : « Quem não tem colírio usa óculos escuros, quem não tem visão bate a cara contra o muro ».
Castro Alves, um veterano entre os mortos, que também a nós se juntou, lembrou-nos, oportunamente, de alguns de seus versos : « Senhor Deus dos desgraçados! / Dizei-me vós, Senhor Deus, / Se eu deliro... ou se é verdade / tanto horror perante os céus?! »
Nosso amigo comum, Assange, o indesejável Assange, australiano de nascimento, mas de alma revolucionária, morto, mas ainda em vida, talvez não por muito tempo, enviou ao nosso amigo Paulo Freire um extenso relatório sobre o Colosso prostado eternamente em berço oligárquico, co-assinado por Glenn. Estarrecido e demasiadamente entristecido, mas também resignado, visto que o apedeutismo nacional tomou dimensões alarmantes, Paulo Freire lamenta, mas decidiu nunca mais voltar ; esta decisão foi compartilhada por Jean-Jacques Rousseau, que malgrado um enorme descontentamento, preferiu ficar onde está, aspirando, com veemência, que os Direitos humanos que irromperam da sua mente e da sua pluma, sejam, um dia, preconizados, respeitados e praticados no mundo dos mortos ainda em vida e, sobretudo, dentro dos limites do Colosso adormecido em berço oligárquico, confortado pelo Deus capital e representado por um patrimonialismo aberrante e cruel. Sonho de morto.
Os demônios daqui, digo : do verdadeiro inferno, os mortos ainda vivos trajam uma indumentária que lhes é própria e articulam discursos similares, freguentam a mesma casa e são todos ardentes adeptos do Deus « politicamente correto », muito antigo, mas recebeu este apelido recentemente.
Os demônios daqui, digo : do verdadeiro inferno, tementes a Lucifer, oferecem em sacrifício miríades e miríades de almas, isto, antes de descerem às profundezas da morte para que alí sejam reduzidos, eternamente, ao silêncio abissal e à incapacidade completa de perpetrar delitos e crimes hediondos. Amém !
Alí, onde estive até ontem, tenho muitos amigos, e eles estão torcendo por mim, eu, que decidi voltar ao inferno.
Minha missão consiste em contaminar estes preclaros personagens com o covid 19, mas estes demônios são muito resistentes, eles contam com guarda-costas, anticorpos contra todo corpo estranho, imunidade total.
E como aproximar-me da casa situada naquela planície no alto da selva? Aquela cujo bandeirão policromo flutua nos ares irrespiráveis que emanam dos reconditos da Casa, a casa mal-assombrada, e cujo mastro está enterrado no rectum do povo.
Mas com os meus poderes de fantasma indignado já me encontro nos arredores da casa muito, muito mal-assombrada.
Diviso, ao longe, hostes de demônios encoleirados, pinguins tropicais. O temor me invade, o pânico me assalta, mas reflito : sou fantasma, nada tenho a temer, e também nada tenho com o vampiro Temer, felizmente este já não mais dirige a casa mal-assombrada, somente como oligarca, quando é convidado pelos seus correligionários.
Já estou avistando um deles, parece com o monstro de Glicério, parece ser careca, parece ter o rosto pintado, não, não é um índio, seus trajes o denunciam, é um palhaço, não, é O palhaço, chefe da palhaçada, contudo, empregado dos donos do circo ; todos juntos formam o EBN, Esquadrão da bandalheira nacional, terírvel !
O Palhaço conta com a sua quadrilha particular, uma empresa familiar, « homens de bem » unidos no combate ao bem. Perigosíssimos !
Oh,Oh,Oh, avistei um outro membro do Esquadrão, já sei de quem se trata, é uma ave, uma ave que grasna, a voz estridente, o incrível analfabeto funcional, o desmantelador ! O lesa-pátria mor. O quê ? pedindo demissão ; qual é o plano, há um projeto escuso? Certamente! Quantos mortos em vida, o Mister Toga vai ainda assassinar?
Vislumbro um outro demônio, este diz que sabe calcular, não se sabe se ele sabe calcular, mas é um outro agente vendilhão, eles são legiões, vendem o que não lhes pertence e fazem proliferar a miséria. Desmanteladores profissionais!
Vejam o que eu vejo ! um outro abutre, um abutre verde, é o vice palhaço, mas que de palhaço não tem nada ; o semblante taciturno e austero, intrépido vendilhão, lembra-nos os tempos em que o uniforme dos donos do circo, dos donos da casa mal-assombrada, era verdão, esverdiadão. Muito perigoso, carrega consigo a maldição do totalitarismo. Personagem infesto, deveras infesto!
O entra-e-sai dos demônios subalternos se desdobra diante dos meus ohos de fantasma, no entanto ainda posso distinguir cada ator, porquanto os meus olhos ainda distinguem a fantasmagoria. A Casa lota de dia e esvazia de noite ; o que dalí sai envenena a nação, e esfola, e mata, e trucida.
Falta moral, falta dignidade, falta honradez, falta retidão, falta um mínimo de decência.
Não! O Covid 19 não tem a menor chance de vencer, os vermes devoram o virus numa só tragada.
Socorro! Socorro! Socorro! Estou voltando para onde fui e de onde vim. Perdão, Glauber. Perdão, Jacques. Perdão, Darcy. Perdão, Raul. Perdão, Castro Alves. Perdão, Paulo Freire. Tô voltando! Tô voltando! Antes que a minha covardia me mate uma segunda vez. Toca o barco, Assange ! Muita Coragem ! Toca o barco, Glenn ! Muita Coragem !
Luiz MacNecrón (Luiz MacPontes)
Luiz MacNekrón