Cancrolândia
Luiz MacPontes
Luiz MacPontes
Se o teu fôlego,ó Florão,na palma
Das tuas paternas mãos, tíbio, pereceu,
Soluça! Como um terno pai que espalma
A efígie de um filho que se perdeu
Onde jaz do Colosso a nívea alma
Que do “Berço Esplêndido” dantes prorrompeu?
A mesma que as rubras procelas acalma
Nos pélagos coronários de Santo Irineu
A portentosa fibra que nos unia
Sob hediondas tramas desfaleceu
E a flama, que triunfante luzia,
Sucumbiu ante o suplício de Prometeu
Não há sevilha sem a madre Andaluzia,
Dúvidas há! Se já não mais houver ateu,
Uma ígnea certeza nos conduzia
Às graças de um inaudito ateneu
E o remanente arauto ‒ errante ‒ na amplidão
Silente do teu subtraído futuro
Encerra a rubescência da ingratidão
Vertida, debalde, neste solo impuro
Que diria,pois, a luz à escuridão
Que na matriz acoita um nascituro?
Não fora, então, a luz quem entrajou Adão,
Feneceria seu resplendor venturo?
Onde estás, alma? E tu, onde estás, flama?
Por onde deambulam os teus rebentos
Que com o verniz de uma honrosa dama
Cultivavam impolutos sacramentos?
Intimidou-se o clamor que derrama
Sobre as chagas recendentes unguentos?
Ou na boca, que epinícios declama,
Há cabresto quando há descontentamentos?
Indagações, improfícuas indagações!
Pois que é tarde ‒a noite fez-se dia ‒
Já não há mais azo para expiações
Quando o ultraje desposa a picardia
Vítima de perfídias e conspirações,
O rebanho, conivente, distendia
A corda inclemente das abominações
Que no redil, hoje, o vilipendia
Na gênese da insânia eram milhares
E o amarelo ecterícia, batalhões,
A paixão nos seus caricatos olhares
Prenunciava dantescas tribulações
Pelas ruas, pelas praças e bulevares,
Aclamavam deuses de verdes panteões,
Aqueles cujos tiranos calcanhares
Pulverizaram o vigor de multidões
O crédulo, dos seus credos tributário,
Digere o fel das suas leviandades
E atrai, ditoso, de calvário em calvário,
Exícios aos rincões das eternidades
Declina-se o sinistro cenário
Em infinitas outras calamidades,
Já que profanado fora o santuário,
Ilibadas seguem as fatalidades
Não é, acaso a causa, a mãe do efeito?
‒A semeadura precede a colheita ‒
E o hodierno comando, eleito,
habilita a cega retina direita
A subscrever com o crime um preito
De fidelidade eviterna e perfeita,
Enquanto trépido, e quase desfeito,
Um outro povo, d’um outro jaez, rejeita
As bênçãos de lordes e de sacerdotes,
Fiés às coleiras e às vestes talares,
Nos lábios, o ósculo do Escariotes,
Nos gabinetes e sobre os altares
A seiva de um mundaréu de Quixotes,
De Onésimos, de homens singulares,
De Olgas, de Maras, de párias e Eliotes,
De ideais e de valores milenares
Ufano de seu amplexo titanesco,
Cratos, sob os holofotes universais,
Destila seu engenho mussolinesco
E usurpa os poderes nacionais
Feito um licantropo gargantuesco
Que em noites de lua cheia, espectrais,
Faz retumbar seu uivo trovadoresco
Pelos outeiros e aldeias medievais
Cratos uiva seus ditames nos conselhos,
Seus capitães, cúpidos, algozes, venais,
Dobrada a cerviz, dobrados os joelhos,
Desferem murros inconstitucionais
Moros, o odioso, move os trebelhos
Sobre tabuleiros transubstanciais,
Se a reflexão é o dom dos espelhos,
A sina fatal é o senhor dos mortais,
Personificada, a estrela, o cetro,
Sob os seus atros pés dimensões colossais,
Sob suas garras o alvitre de Jetro,
E sobre Jó, sevícias judiciais
O escurra mor, o nariz de um metro,
Divindade das profundezas avernais,
Inaugurou um descomunal féretro
Para agassalhar as populações locais
Aquelas que nele viam retidão
E as que nele liam um mal auspício,
Legiões, salvo os membros do casarão,
Os capatazes e os caciques do hospício
No circus lugubris, à sombra do pendão
Policromo, asseclas do meretrício
Forjam os grilhões da servidão
Sobre a bigorna da cobiça e do vício
Céus! Cratos soleniza a vitória
E envolto em sua fatiota doirada,
Oligárquica, obscena, predatória,
Congrega a alcateia esconjurada
Os cães de Pavlov, a mão e a palmatória,
Ignari graduati, a fraturada
Honra e os eritrófobos cuja memória
Imola o toiro e olvida a tourada
Dislates! Os sorrisos dobram, os sinos
Gargalham, as frechas vibram na sectária
Aljava; urra dos coldres jacobinos
A têmpera sidérica e arbitrária
Pois que na casa de orates os desatinos
São iguarias da espécie caudatária,
Que quando processadas nos intestinos
Fertilizam a submissão voluntária.
Indignação, querida, chora comigo
O pranto cáustico das tuas entranhas!
Que sejam elas meu propício abrigo!
Vem! Vê! Diz! Faz! Atira-me das montanhas
No anfiteatro do meu amor antigo!
E que no regaço das tuas façanhas
Não sopite o meu fervor ante o perigo,
Antes seja óbice às artimanhas
Flagiciosas que subvertem a nação,
Não! Se o defunto é maior que o ataúde
E o maldito maior que a danação,
É mister poder contar co’a magnitude
Dos místicos numes e co’a coroação
De Esperançonésia Quinta, a rude
Quintessência, irmã da expectação.
Oxalá o Olimpo da solicitude
Estremeça do sopé ao pináculo,
E que dele se desprenda a espada,
A sarissa, a balestra e um oráculo
De execução contra a encapelada
Hoste de oligargas, receptáculo
De divícias e covardias, a culpada
Fera ‒aquela que uiva no senáculo ‒
A opressora dona da Pátria amada
Ó Zeus! Lembra-te do leite de Amalteia
E do dulcíssimo mel de abelha,
Quando tu eras ainda uma ideia,
Quando ainda eras uma centelha
Mas jovem varão, como quem banqueteia,
Devoravas, a arrotar pela orelha,
A anfêmera ambrosia, panaceia,
E o néctar ‒ a poção vermelha ‒
Do sacro píncaro divisa o cativeiro!
Dissipa a neblina, rasga a bandeira!
E soberano, estoico, altaneiro,
Atende a minha petição derradeira,
Tu, que sabes do vezo e do vezeiro,
Que conheces Dalila, a traiçoeira,
Lança, depressa, teu raio justiceiro,
Redime a “brava gente brasileira”
Luiz MacVate_1968