Meu sertão
Luiz MacPontes
Luiz MacPontes
Na ribeira, onde a aridez encomenda
Numerosas almas de verão em verão,
A miséria dos Sem-Terra é u'a fenda,
É mais um sulco profundo no coração;
Fere mordaz, como peixeira amolada,
Tem parença com a medonha assombração,
Deixa ― sem dó ― toda gente entabocada,
Revoltosa e amagurada no meu sertão.
Eu cresci e fui criado nessas bandas,
Encurujado, xetrado e perebento,
Odiei meus pais, os céus, botei cafandas
Em tudo que vi no catimbó nojento:
No mastrus, no caribé de manhã cedim,
Na pinga, no jerimum, na macaxeira,
No cabra da peste que tem inté padrim
E na mãe de nós todos ― a cachimbeira.
A reixa braba, do meu peito aperreado
Florava, florava, ― e eu já decidido ―
Feito estaca na porteira do cercado
Esperava ― dia e noite ― o positivo
Com a missiva da esperança que atraca
Ao cais da minh’alma, rica consolação:
― Um rezador para minha urucubaca,
Um amém para minha ardente oração...
Até que, em um vinte e três de abril da vida,
― Dia do santo que deu cabo do dragão ―
Por um acauso conheci a bandida
Que extirpou a desdita do meu coração,
Bichinha meiga, pimenta e ajeitada,
Deixou-me, em um átimo, enrabichado,
Hoje é, das mulheres, a mais amada,
Ah, juntou comigo no verão passado
O Aracati me refresca a cada tarde,
A cada ocaso reitero o meu pedido:
― Deus meu, autor do sol que rutila e arde,
Traz as chuvas pra irrigar o meu gemido!
Ôxente, dói a demora da missiva
Milagrosa em resposta à minha petição,
Porque almejo recitar com voz altiva
―Jucundo ― outro poema de gratidão.
As nuvens que sobre o latifúndio alavam,
Nenhuma gota choravam sobre o solo,
Os anos sobre mim depressa passavam,
Arrebatando c'o eles meu consolo,
Mas o Pai dos desvalidos ― Piedoso ―
Atende a prece de um filho suplicante,
Faz do fiel pupilo, vitorioso,
E do afligido, arauto jubilante...
Na véspera dos meus trinta e tristes anos,
Celebrados com fé, rapadura e vela,
Desceu, por fim, do maior dos soberanos,
A dádiva acariciada ― u'a parcela
De terra infértil ― que jurei, jurei febril,
Cada metro irredutível fertilizar
E, do fluído, no bojo da terra hostil,
Meu sequioso plantio nutrir, regar.
O seu juiz ― tributário dos tiranos ―
Condoeu-se ― sei não ― co’as minhas mazelas...
Recaia sobre cada um dos humanos
A luz primordial das velhas estrelas,
Não haja servos nem lordes prussianos,
Nem bonanças ― se não mais houver procelas,
Adeus às palhoças e aos paços romanos,
Adeus aos príncipes e às cinderelas
Oh ! Deus, que nos conduz da cruz ao sagrado,
Grata, vocifera a tua criatura,
― Glória a ti pelo teu excelso cuidado !
Nasceu uma quimera da desventura,
Reviveu um caipora alquebrado,
― Eu, a quem tu tiraste da sepultura,
Hoje, sujo, bem-disposto e entufado,
Sigo na divina paz que me enclausura...
Da criação cevada e do bom roçado
Meu mucambo é copioso ― tem fartura ―
Sou posudo, entendido e abortado
Na pecuária, na bio agricultura,
Se o meu destino é ser poeta porreta,
Entonces, que vida opulenta, batuta;
Sem complexo, embaraço-me com a caneta,
Faço versos, braços dados com a labuta.
Luiz MacAngelo